quinta-feira, dezembro 15, 2011

Leituras XIII


"A mulher jovem que, à entrada da câmara de gás de Auschwitz, se volta para Höss e lhe diz, desdenhosamente - como ele descreve - que não quis fazer-se seleccionar para o trabalho, como lhe teria sido possível conseguir, para acompanhar as crianças que lhe haviam sido confiadas, e que depois avança tranquilamente com elas para a morte, é a prova da incrível resistência que o indivíduo pode opor àquilo que ameaça aniquilar a sua dignidade, o seu sentido. Nos diversos Lager e também nesta escada de Mathausen verificaram-se muitos feitos que tais, outras tantas termópilas que se opõem à maré da abjecção...

Enquanto me encontro ainda nas escadas, tenho como que diante dos olhos uma fotografia, entre as muitas vistas pouco antes no Lager. É a fotografia de um homem sem nome, provavelmente, pelo aspecto, um balcânico, um europeu sul-oriental. O rosto está desfigurado pelos golpes, os olhos são dois grumos inchados e sanguinolentos, a expressão é paciente, de resistência humilde e sólida. Enverga um casaco cheio de arranjos, as calças mostram remendos cuidadosamente colocados, por amor da compostura e do asseio. Este respeito por si próprio e pela própria dignidade, mantido no coração do inferno e estendendo-se às calças que se vestem, faz surgir os uniformes SS, ou das autoridades nazis de visita ao Lager, em toda a sua miséria de farpelas de carnaval, trajes alugados no penhorista, na convicção de que um banho de sangue os poderia fazer durar milénios. Duraram doze anos, menos do que a minha velha canadiana que habitualmente uso em passeio."

Claude Magris, Danúbio, Biblioteca Sábado - 2009, pag. 133.

http://www.holocaustresearchproject.org/othercamps/mauthausen.html