sábado, novembro 11, 2006

Ramadão III (por Neil Gaiman)

Meu marido e meu rei? ‘ – perguntou.

‘Sim, minha senhora? ‘

Vejo que estás preocupado.

‘Vês correctamente. ‘

Vem comigo. Deixa-me untar a tua testa com óleo morno, e acariciar-te com as minhas mãos gentis. Posso fazer-te esquecer os problemas por entre os meus seios, e posso afagar para longe a escuridão na tua alma, por entre as minhas coxas.

‘Agradeço-te, minha senhora, minha rainha, mas devo recusar. ‘ – E ela deixou-o.

O Vizir – seu amigo, Jafar o Barmakid – veio à sua presença.

Vem, vamos disfarçar-nos e caminhar pela cidade. ‘ – disse. – ‘Sem dúvida que encontraremos algum nobre sob um qualquer encantamento. Ou três mulheres, esguias como gazelas, aprisionadas numa casa de jade branco. Ou um louco vagabundo com uma história de espíritos malignos do deserto para contar, e…

‘Não. ‘ – interrompeu o rei.

Permite-me então que mande trazer vinho e comida, e chame contadores de hstórias, para que possamos proclamar que aquele que contar a mais estranha e verdadeira história…

‘É Ramadão, Jafar, quando jejuamos desde o nascer até ao por do sol. E o Profeta proibiu o vinho. ‘

Mas…

‘Não, velho amigo. ‘ – e o rei apontou para a cidade resplandecente abaixo deles. – ‘Olha para a nossa cidade. Não é maravilhosa? Existirá alguma outra como ela? ‘

Se Allah o desejar…

‘Ah. Mas não está destinado a homem algum conhecer a vontade de Allah.’ – e a face do rei ensombrou-se com estranhos e tristes pensamentos. – ‘Deixa-me. ‘

Ele permaneceu no varandim até que a noite caiu, e a primeira estrela brilhou acima das espirais da cidade. E nessa altura veio à sua presença Ishak, o maior poeta daquele tempo, aquele que podia tecer palavras como fios de seda enredados em linhas de ouro.

Grande rei. ’ – disse o poeta.

‘Saudações, fiandeiro de palavras. ‘

Meu rei, estás preocupado. Posso tocar para ti, ou cantar?

‘Não. Há um peso no meu peito e no meu semblante, mas a arte e palavras bonitas não o levantarão. Ai de mim. Existiu alguma vez uma cidade como a minha, ou um povo como o meu? ‘

Não, grande rei. ‘ - respondeu o poeta.

‘Embaixadores vêem aqui dos confins da terra, para testemunharem este milagre. Voltam para os seus reis dizendo que viram a cidade perfeita, e que nunca poderá existir outra igual. E os seus reis ficam insatisfeitos com os seus pequenos feudos e domínios, pois sabem que nunca se poderão comparar a Bagdad, a jóia das cidades. ‘

O rei baixou a cabeça e acrescentou, num murmúrio:

‘É assim. Mas todas as coisas passam. Deixa-me. Não necessito de poetas. ‘ – e permaneceu no varandim, a observar a mais gloriosa cidade sobre a terra.
continua...

Sem comentários: