terça-feira, agosto 01, 2006

Welcome to your life


Sempre associei o fim de férias à taciturnidade do Outono, condicionado por anos de inícios de um novo período escolar, quando andava no ensino obrigatório. É um sentimento doce, porque se trata de uma despedida de dias leves ainda frescos na memória, e simultaneamente amargo, por se tratar de despedida, claro está. Tudo o que começa tem o seu fim, mas um final nunca é um descerrar completo da cortina, trata-se mais de uma reorganização dos cenários e de outras falas para decorar, em arranque de nova peça. Tudo o que começa, nesta vida, fá-lo sobre as cinzas de algo que terminou.

Gosto de dizer que sou uma pessoa de Verão, mas o Outono também me proporciona um sentimento geral indefinido, perpassado por uma melancolia que decerto já habita em mim, e que apenas encontra eco na imagem de encerramento sazonal. Um sentimento de perda, o devaneio de quem está a perder mas também prestes a ganhar algo, em troca. E depois temos a suave reflexão, a calma meditativa de dias dourados com folhas que tombam devagar, da cor da terra queimada. E o cheiro das castanhas assadas. Poucas coisas me fazem sentir tão docemente triste como o odor das castanhas assadas, trazido pelo vento que principia a arrepiar, em dias de sol que já não aquece.

É assim. Quando começo a perder o Verão, ocorre-me sempre tudo o que perdi, e o que já está perdido, pois que nunca o tive. Fico calado por dentro, e só me apetece recolher a uma cadeira, com um copo de cacau quente, a observar o infinito através da paisagem do lado de lá da janela.

Terminaram as férias, e o Verão ainda mal começou, mas sinto que já o perdi. Passou, e só me resta olhar para as árvores e esperar que a primeira folha caia, gentilmente. Amanhã começa a rotina, a luta diária pela procura de um sentido que a vida das 8 às 5 não tem. “Bem-vindo à tua vida”, é o que o escritório me vai dizer quando acender as luzes e ligar o computador. Depois serão muitos e-mails para responder, telefonemas para fazer, relatórios para elaborar, e reuniões para comparecer.

Trata-se de um choque de água fria, este entrar em contacto com uma realidade que esqueci demasiado facilmente, mas pelo menos posso dizer que os primeiros salpicos já me prepararam para o mergulho, na forma de uma carta do I.R.S., a solicitar comparência na repartição de finanças mais próxima, para fazer prova das declarações dos dois anos anteriores. E dizer que há dois dias a minha maior fonte de stress era saber se comia a bola de Berlim agora, ou mais daqui a pouco.

Bem-vindo à tua vida? Pffffffff. Se a vida me matar, enterrem-me no areal, por favor.

6 comentários:

Anónimo disse...

Pois é! não há nada pior do q o regresso! .. sei bem o q é! como é difícil encarar a rotina, voltar ao trânsito, cumprir horários .. eu q detesto qq tipo de obrigação! é horrível!! ... Por isso, passo estes meses, e logo que começam os primeiros raios de sol a anunciar a Primavera - q é sem dúvida a minha estação - a fazer férias! .. repartidas, claro.. mas dá uma certa continuidade à coisa ... tiro 3 dias ali .. mais 4 dias acolá.. junto com isto, faço algo mais com aquilo .. e assim, apesar de não ter realmente férias no sentido de me ausentar muito tempo daqui, o facto é que duram .. ou parecem durar, um pouco mais ... Acho até que ficaria doente, se soubesse que já não tenho mais férias para gozar .. guardo sempre uns dias para qq eventualidade ... preciso sentir que não estou totalmente presa ..sem escapatória.. sem possibilidade, senão não conseguiria continuar .. é sem dúvida a minha claustrofobia a falar alto... q abrange muito mais do q simples elevadores fechados ;)... jokas****

Flávio disse...

Eu estou agora de 'férias' numa universidade de berlim, o problema é que estes alemaes em 'férias' trabalham mais que os portugueses no resto do ano todo.

Estou desejoso que chegue Outubro para poder voltar a descansar lol

Sandman disse...

Lótus, sejas bem aparecida! Deixei há uns meses uns comentários no teu blog, a ver se davas sinal de vida, mas tu persistes em manter-te abaixo da linha de água!

:)

Também gosto de guardar alguns dias de férias. Digo a mim mesmo que é para qualquer eventualidade que possa surgir, mas claro que sou um mentiroso, e dos grandes: é mesmo para também saber que tenho uma escapatória, que existe um escape caso a asfixia da vida comum se torne demasiado sufocante.

Claustrofobia? Ou trabalhofobia? :P

Sandman disse...

Bem me parecia, Flávio, que devias andar por terras germãnicas, ou em vias disso, pelas frases em alemão que vou apanhando no teu blog.

Contraria as regras da sabedoria popular, e por uma vez, não sejas romano em Roma. Leva um pouco da saudável improdutividade para esses camaradas, que às vezes até parecem autómatos. E volta de baterias carregadas.

:)

Patrícia disse...

O teu post soube-me a familiaridade, Sandman. :)
Com a chuva que insiste em cair, o céu cinzento que impede o sol de raiar, e o ar frio que se instalou, lamento não ter as folhas douradas, cor-de-laranja, vermelhas e castanhas para colorir os dias. Pois... também eu sou mulher do Verão. Movida a calor, como me costumam dizer. :)

Beijo

Sandman disse...

Sinto que estamos a ver um fim de Verão antecipado. Tanto pior para quem reservou as férias para esta altura.

Andam tristes os dias, e este dia ainda está mais triste. A folha que nasceu na Primavera, e despontou para o verde glorioso no pico do Verão prepara-se já para cair. Estuda o terreno.

Quando cair, vai começar a ser recordação. É promessa de novas folhas, mas também representa o esquecimento.