domingo, junho 04, 2006

Atoardas de amor

Hoje.

Estás debruçada na janela do restaurante, a ver o fogo de artifício. Atravessam os céus estrelas multicores, é um bailado de constelações, em cascata caótica pelo horizonte, e os rostos pasmados mudam de cor a cada deflagração. A acompanhar esta coreografia celestial feita por mãos humanas, ouvem-se atoardas assombrosas de petardos explosivos, que apertam os corações desprevenidos, fosse eu um ex-combatente das guerras cruéis e certamente me encolheria num fragor de medo, no temor aterrorizado daqueles que viram o céu rebentar fragmentos de morte sobre as suas cabeças.

Em vez disso, encosto-me calmamente para trás, e levo o copo aos lábios. Olho a pele nua dos teus ombros, marcada por sinais que não beijei tantas vezes quantas gostaria, e apetece-me dizer que te amo, que tudo vale a pena só porque existes. Mas mantenho-me calado, pois ainda há pouco te toquei as costas, desviei a tua atenção do espectáculo, e sussurrei-te torrentes de amor ao ouvido; não é socialmente apropriada a repetição da ternura, pensarias decerto que era o vinho a falar, nem te ias lembrar da bebedeira em que me trazes submerso, desde o primeiro dia.

Opto, portanto, por terminar de beber, pousar o copo com cuidado, e, antes de pasmar perante o fogo que estoura com o firmamento, soprar um “amo-te” mudo, para as tuas costas. Depois esqueço-me do que fiz, do que disse, e do que pensei.

Sei bem que ele vai encontrar o teu caminho.

Sem comentários: